Desde o meu curso universitário, as imagens adquiriram para mim uma enorme importância como forma de expressão. Disso resultou, entre outros, o desejo de aprofundamento na pesquisa mais sistemática entre a arte popular e a arte erudita, entre as quais, a meu ver, se estabelece uma relação de afinidades ou de contrastes, com um diálogo entre dois mundos completamente diferentes.
Tanto uma quanto a outra não são apenas fruto de recordações de seus criadores; elas contêm essas recordações, mas vão além delas; são algo novo, uma pequena semente que germina na interioridade do artista. E a exteriorização dessa semente, dependendo da opção e dos recursos de que o criador se serve ou que tem à disposição, é que transcende e diferencia a arte popular da arte erudita, tema da atual mostra.
Segundo Ítalo Calvino, em seu livro As cidades invisíveis, “O inferno dos vivos não é algo que acontecerá; se existir algum inferno é aquele que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que formamos estando juntos. Há dois modos de não sofrê-lo. O primeiro é facilmente acessível para muitos: aceitar o inferno e torná-lo parte de si mesmo até o ponto de não vê-lo mais. O segundo é arriscado e exige atenção e aprendizagem contínua: buscar e saber reconhecer qual coisa no meio do inferno não é inferno e fazê-la durar; e dar- lhe espaço”.
Há entre o pensamento de Ítalo Calvino, o dos artesãos visitados no Vale do Jequitinhonha e mostrados anteriormente nesse espaço e o dos Mestres Santeiros do Piauí, hoje presentes nesta exposição, algo que me desperta a atenção e sensibiliza: esses artesãos, apesar dos limites impostos pelo “inferno” do qual fazem parte, conseguem contar sua história e eternizar sua cultura através da expressão artística; são seres especiais dotados de uma sensibilidade e de uma forte crença interior perceptível e visível ao primeiro contato.
A visita ao Vale do Jequitinhonha e a posterior exposição dos trabalhos ali criados por excelentes artesãos deram início ao coroamento da pesquisa a que me propusera. Hoje, dando seguimento ao meu propósito, realizamos a exposição “Arte Popular- Santos e Estandartes”, na qual reunimos criações sacras populares e eruditas. E para enriquecê-la
ainda mais, visitamos os Mestres Santeiros do Piauí, em Teresina, e documentamos essa visita com fotos e vídeo com entrevistas, que também poderão ser vistos nesta mostra e que possibilitarão ao visitante momentos de fruição emocionada.
Embora em cada momento apresentado se perceba a diversidade dos princípios estéticos que o nortearam, os estilos, linguagens e materiais utilizados, todos eles têm a capacidade de despertar no espectador uma emoção especial de encantamento e de enlevo que pode ser identificada como prazer estético. E esse é o objetivo dessa exposição mostrar ao observador como as duas culturas se mesclam, se confundem e se alimentam de um processo permanentemente dinâmico de recriação dos significados da arte sacra.
A mostra contará com as obras de arte de artistas com formação erudita: Oráculo de Devoção (altar: Hélio Siqueira); Estandartes (Marcelo Brant); A Ceia (Paulo Miranda); Estandartes (Darli de Oliveira). Obras de representantes da arte popular: Santos Antigos (coleção particular de Hélio Siqueira); Mestres Santeiros do Piauí (em madeira); Madonas (Vitória Helena - bordados- recriação do erudito) e Estandartes Antigos (Catedral de Uberaba). A Galeria Elizabeth Nasser agradece a parceria e o patrocínio da Petrobras e da Cemig e o apoio do IDENE - Instituto para o Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais - e do PRODART - Programa de Desenvolvimento do Artesanato do Piauí, que viabilizaram esse importante evento para Uberlândia e para a região do Triângulo Mineiro e que têm desenvolvido ações que contribuem para a difusão da cultura em nosso país.
Elizabeth Nasser
Curadora